A Fisioterapia faz parte do atendimento multidisciplinar oferecido aos pacientes em unidade de terapia intensiva (UTI). Sua atuação é extensa e se faz presente em vários segmentos do tratamento intensivo, tais como o atendimento a pacientes críticos que não necessitam de suporte ventilatório; assistência durante a recuperação pós-cirúrgica, com o objetivo de evitar complicações respiratórias e motoras; assistência a pacientes graves que necessitam de suporte ventilatório. Nesta fase, o fisioterapeuta tem importante participação, auxiliando na condução da ventilação mecânica, desde o preparo e ajuste do ventilador artificial à intubação, evolução do paciente durante a ventilação mecânica, interrupção e desmame do suporte ventilatório e extubação.
Neste Consenso, abordou-se exclusivamente a atuação do fisioterapeuta no tratamento dos pacientes sob ventilação mecânica invasiva e não-invasiva, baseando-se as recomendações em resultados de estudos clínicos e na opinião dos especialistas que expõem sua experiência na área de terapia intensiva.
Graus de recomendação (Quadro 1).
FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA DURANTE A VENTILAÇÃO MECÂNICA
Fisioterapia na Prevenção de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV)
Fisioterapia Respiratória
Recomendação: A fisioterapia respiratória é recomendada para a prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica.
Grau de Recomendação: C
Comentário: Ntoumenopoulos e col. compararam em pequeno estudo controlado, mas não aleatório, fisioterapia respiratória (vibrocompressão e aspiração endotraqueal) com um grupo controle (sem fisioterapia respiratória). Observaram que apenas 8% dos pacientes do grupo intervenção desenvolveram PAV, comparado com 39% no grupo controle1.
Posicionamento do Paciente
Recomendação: Na ausência de contra-indicações, manter o decúbito elevado (entre 30º e 45º) em pacientes em ventilação mecânica para prevenção de PAV, mesmo durante a fisioterapia motora.
Grau de Recomendação: B
Comentário: O decúbito elevado (45º) reduziu o risco de pneumonia associada à ventilação em relação à posição supina em estudo aleatório e controlado. Drakulovic e col. mostraram que a ocorrência de PAV foi menor no grupo do decúbito elevado quando comparado ao grupo em supino (decúbito elevado 2/39 [5%] versus supino 11/47 [23%]; OR 4,2 – 31,8, p = 0,018)2.
Fisioterapia Respiratória no Tratamento da Atelectasia Pulmonar
Recomendação: A fisioterapia respiratória é eficaz e recomendada para o tratamento das atelectasias pulmonares em pacientes em ventilação mecânica.
Grau de Recomendação: B
Comentário: Ensaio clínico com 31 pacientes com diagnóstico radiológico de atelectasia, submetidos à broncoscopia e fisioterapia versus fisioterapia respiratória isoladamente, não mostrou diferença entre os grupos, demonstrando eficácia semelhante na resolução das atelectasias em pacientes ventilados de forma invasiva3.
PROCEDIMENTOS FISIOTERÁPICOS
A fisioterapia respiratória pode ser utilizada em pacientes críticos, com o objetivo de prevenir e/ou tratar complicações respiratórias. Para isso, geralmente é usada uma combinação dos procedimentos descritos a seguir, que objetivam a "re-expansão pulmonar" e a "remoção de secreções nas vias aéreas". O quadro 2 descreve os procedimentos de fisioterapia respiratória descritos na literatura para a terapêutica de pacientes em ventilação mecânica.
Aspiração Traqueal
Freqüência
Recomendação: A aspiração somente deverá ser realizada quando necessária, isto é, quando houver sinais sugestivos da presença de secreção nas vias aéreas (por exemplo, secreção visível no tubo, som sugestivo na ausculta pulmonar, padrão denteado na curva fluxo-volume observado na tela do ventilador, etc.).
Grau de Recomendação: D
Comentário: A avaliação da necessidade de aspiração pelo fisioterapeuta deve ser sistemática, em intervalos fixos e, também, na presença de desconforto respiratório. A aspiração traqueal é um procedimento invasivo, bastante irritante e desconfortável para os pacientes. Pode ainda promover complicações, entre as quais tosse, broncoespasmo, hipoxemia, disritmias e lesões na mucosa4. Apesar de serem claros na prática clínica, os benefícios da aspiração para remoção das secreções das vias aéreas, nunca foi estudado ou, principalmente, avaliados os efeitos colaterais associados a ela5. Lesões na mucosa e no sistema mucociliar geralmente estão associados à técnica do operador e à quantidade de pressão usada (que não deve exceder 150 mmHg em adultos)6. Aspiração intermitente, em vez de contínua, pode ser menos traumática para a mucosa, mas existe pouca evidência sobre isso6.
Prevenção de Hipoxemia
Recomendação: A hiper-oxigenação (FIO2 = 1) deve ser utilizada previamente ao procedimento de aspiração traqueal para diminuir a hipoxemia induzida pela aspiração traqueal.
Grau de Recomendação: A
Comentário: A hiper-oxigenação com FiO2 de 100% associada à hiperinsuflação com VT 50% maior que o basal durante três a seis ciclos respiratórios foram as técnicas mais estudadas para prevenir a hipoxemia durante a aspiração7.
Sistema de Aspiração Aberto Versus Fechado
Recomendação: Os sistemas de aspiração aberto e fechado são igualmente eficazes na remoção de secreções. No entanto, o sistema fechado determina menor risco de hipoxemia, disritmias e de contaminação e deve ser preferido, principalmente em situações nas quais são usados valores de PEEP elevados, como na lesão pulmonar aguda.
Grau de Recomendação: B
Comentário: A principal vantagem do sistema fechado é realizar a aspiração sem a desconexão do circuito do ventilador. Isso, além de determinar menor alteração hemodinâmica e nas trocas gasosas, poderia implicar em menor risco de infecção. Porém, os estudos realizados não mostraram menor freqüência de pneumonia com o sistema fechado8. No entanto, em pacientes com lesão pulmonar aguda / síndrome do desconforto respiratório agudo, o uso do sistema fechado pode reduzir o desrecrutamento e a diminuição na oxigenação do paciente9. Esse efeito pode ser influenciado pelo modo ventilatório em uso e pelos ajustes do ventilador10. Uma manobra de recrutamento após a aspiração pode diminuir os efeitos da aspiração traqueal9. O custo relacionado ao uso do sistema fechado pode ser reduzido com a troca a cada sete dias, ao invés de diariamente, sem aumentar o risco de infecção respiratória11.
Hiperinsuflação Manual (HM)
Recomendação: A HM está indicada em pacientes que apresentem acúmulo de secreção traqueobrônquica.
Grau de Recomendação: B
Comentário: A hiperinsuflação manual potencializa as forças de recolhimento elástico pulmonar, promovendo um aumento do pico de fluxo expiratório e, conseqüentemente, favorecendo o deslocamento de secreção acumulada nas vias aéreas. Maa e col. classificaram 23 pacientes em desmame difícil para receber HM ou fisioterapia respiratória padrão. Nesse estudo, a HM foi aplicada de oito a 13 ciclos por minuto, com pressão limitada em 20 cmH2O por 20 minutos, com freqüência de três vezes por dia, durante 5 dias. Eles observaram discreta melhora em desfechos intermediários, como PaO2/FIO2 e complacência estática, porém sem efeito sobre desfechos clínicos12. Choi e Jones compararam a HM seguida de aspiração versus aspiração isoladamente em 15 pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica. Obtiveram melhora da complacência e redução da resistência, que persistiu por pelo menos 30 min após o procedimento13. Contudo, em outro estudo, a aplicação de hiperinsuflação manual associada ao decúbito lateral, com posterior aspiração traqueal, em pacientes com lesão pulmonar, não promoveu diferença significativa nos valores de complacência e oxigenação após 60 min 14. Estudo realizado por Denehy apontou as controvérsias sobre a segurança e a eficácia da HM e sugeriu que, quando aplicada, deve-se limitar o pico de pressão a 40 cmH2O, por risco de barotrauma15.
Compressão Brusca do Tórax
Recomendação: A compressão brusca do tórax deve ser realizada em pacientes com ausência ou diminuição do reflexo de tosse e em pacientes com dificuldade de mobilizar secreção, especialmente aqueles com disfunção neuromuscular.
Grau de Recomendação: C
Comentário: Até o momento, os dados da literatura não permitem conclusões sobre o uso rotineiro da compressão torácica para otimizar a remoção de secreções em pacientes sob ventilação mecânica. A compressão brusca é descrita com freqüência no tratamento de pacientes com lesão medular ou que apresentem algum tipo de fraqueza muscular16. Em estudo controlado, no qual se comparou a aspiração traqueal com e sem a associação da compressão brusca do tórax (por 5 min), evidenciou-se que, no grupo da compressão brusca do tórax, a quantidade de secreção aspirada foi maior do que no grupo que recebeu apenas aspiração traqueal, porém sem atingir valor estatisticamente significativo17.
Drenagem Postural, Vibração e Percussão Torácica
Recomendação: A drenagem postural, a vibração e a percussão torácica devem anteceder a aspiração traqueal.
Grau de Recomendação: D
Comentário: Embora a efetividade da percussão em promover o transporte de secreções brônquicas tenha sido relatada em pacientes DPOC estáveis e em ventilação espontânea, não há descrição na literatura destes mesmos resultados em pacientes sob ventilação artificial. Os estudos clínicos que avaliaram os efeitos fisiológicos dessas manobras, quando aplicadas isoladamente, apresentaram dados inconclusivos, com métodos distintos aplicados a populações variáveis18.
O Fisioterapeuta na Aplicação da Ventilação Mecânica Não-Invasiva (VMNI)
Recomendação: O fisioterapeuta deve instituir e acompanhar a VMNI no ambiente da terapia intensiva.
Grau de Recomendação: B
Comentário: A aplicação da VMNI exige maior atenção da equipe da UTI, principalmente nas horas inicias da sua instituição19-21. Kramer e col. mostraram que durante as 8 horas iniciais da VMNI, o fisioterapeuta despendeu cerca de 60 min a mais na assistência dos pacientes em VMNI quando comparado com o grupo sob tratamento convencional22.
O Fisioterapeuta na Assistência do Desmame da Ventilação Mecânica
Recomendação: A triagem sistemática de pacientes aptos para a realização do teste de respiração espontânea deve ser realizada diariamente pelo fisioterapeuta da UTI, seguindo protocolo multidisciplinar da respectiva unidade. O fisioterapeuta deve realizar o teste de respiração espontânea nos pacientes aptos, identificando assim os elegíveis para a interrupção da ventilação mecânica.
Grau de Recomendação: A
Comentário: O fisioterapeuta tem importante papel na condução de protocolos de triagem de pacientes para interrupção da ventilação mecânica23. Ely e col. demonstraram que a avaliação diária da capacidade respiratória dos pacientes em VM pelo fisioterapeuta (grupo intervenção) diminuiu o tempo de VM em 1,5 dia e reduziu a morbidade dos pacientes. A média de duração da VM no grupo intervenção foi de 4,5 dias e no grupo controle foi de 6 dias (p = 0,003)24. Kollef e col. em estudo aleatório e controlado, mostraram que o desmame protocolado e guiado por fisioterapeutas (grupo intervenção) reduziu a duração da VM e aumentou a taxa de sucesso no desmame. O índice de sucesso no desmame foi significativamente maior para os pacientes do grupo intervenção (odds ratio 1,31; 95% IC 1,15 a 1,50; p = 0,039). Porém, a mortalidade hospitalar foi similar entre os dois grupos (22,3% versus 23,6%)25.
As recomendações relacionadas ao teste de respiração espontânea estão detalhadas no capítulo de Desmame.
Treino Específico dos Músculos Respiratórios
Uso da Sensibilidade do Ventilador como Forma de Treinamento
Recomendação: O treinamento dos músculos respiratórios por meio da redução da sensibilidade de disparo dos ventiladores não é fisiológico e parece não representar vantagem na liberação do paciente do ventilador, não sendo recomendada por este Consenso.
Grau de Recomendação: B
Comentário: Somente um estudo utilizou a redução da sensibilidade de disparo para treino dos músculos inspiratórios em pacientes sob VM, desde o início da ventilação, com objetivo de abreviar o desmame da ventilação e reduzir a taxa de re-intubação. Foram avaliados 25 pacientes, 12 treinados duas vezes ao dia através do ajuste da sensibilidade do ventilador e 13 controles. Não houve redução no tempo de desmame da VM, assim como, no índice de re-intubações26.
Treino de Força dos Músculos Respiratórios por Meio do Uso de Dispositivos de Incremento de Carga para Facilitar o Desmame
Recomendação: Não há evidências de que o treinamento muscular, através do uso de dispositivos que proporcionam aumento de carga (threshold), facilite o desmame de pacientes em ventilação mecânica. Portanto, essa técnica não é recomendada para pacientes com dificuldade para o desmame.
Grau de Recomendação: D
Comentário: Não há estudos prospectivos, controlados e aleatórios que mostrem utilidade de dispositivos de aumento de carga para a facilitação do desmame dos pacientes da ventilação mecânica, sendo a evidência restrita a pequenas séries de casos27,28.
Treino de Endurance dos Músculos Respiratórios
Recomendação: O treinamento de endurance dos músculos respiratórios pode ser considerado para pacientes em ventilação mecânica prolongada. A sua realização deve ser de forma progressiva e protocolada.
Grau de Recomendação: D
Comentário: O treinamento de endurance consiste no aumento progressivo de carga aos músculos respiratórios. Ao respirar espontaneamente (em tubo-T ou com baixos valores de pressão de suporte), o paciente está trabalhando, ao longo do tempo, contra uma carga imposta pela retirada do suporte ventilatório. No entanto, essa carga imposta aos músculos respiratórios pode estar gerando um trabalho muscular acima do limiar de fadiga e/ou levando ao seu desenvolvimento se não for instituído um método para aliviar a carga29. Vários estudos demonstraram que quando o paciente começa a apresentar sinais clínicos de intolerância à respiração espontânea, como o uso de músculos acessórios, ele está entrando na zona de fadiga29-31.
O aumento progressivo do tempo de respiração espontânea, alternado com o suporte ventilatório suficiente para diminuir o trabalho respiratório do paciente abaixo do limiar de fadiga, promove aumento da endurance dos músculos respiratórios, permitindo assim o ganho de maior tempo de treinamento, o que por sua vez proporciona maior tempo de respiração espontânea ao paciente.
Assim, para a realização de um treinamento gradual criterioso, seguindo as